sexta-feira, abril 1

Heteronormatividade




 
Uma palavra nova para descrever uma ordem de comportamento masculino bastante velha, porque não dizer, do machismo em si. Poderia ser que as maiores prejudicadas fossem as mulheres, que padecem com a ignorância e o preconceito dos homens à sua volta. Mas isso começa muito antes, desde o nascimento o destino dos homens é traçado e contra isso não há o que discordar, pela ordem natural, como os religiosos gostam de dizer, não se pode mudar o que está e existe como homem. Junto com essa designação de ser homem surgem obrigações, vocabulários e posturas a serem cumpridas sem questionar seu resultado e o antropocentrismo no seu sentido mais sexista.

Fato é que a sociedade é criada para e com os homens, mas ser Homem nessa sociedade não significa apenas ter pênis. Não gosto das literaturas de linguagem corporal, porque em geral tendem a naturalizar comportamentos e posturas oligárquicas, como se todo homem fosse igual. O discurso de que os homens são o centro do mundo peca por desconsiderar que a maioria dos homens não chegam nem perto do ideal de perfeição perseguido pelas instituições. Nós homens, não somos iguais em nada, a não ser pelas mesmas feições corporais que dizem que nós somos homens.

Existe uma diversidade e uma pluralidade de homens e comportamentos masculinos muito maior que se possa constatar prestando atenção nas definições de homem vendido e empurrado goela abaixo. Se as mulheres sofrem com o machismo, primeiro sofrem os próprios homens, que antes de saber quem são, passam por uma lobotomia moral de obrigações do homem dentro da sociedade. Grande parte dos homens vivem à margem de como deveriam ser os homens, são pessoas invisíveis, vistos como se fossem bonecos espalhados pelo corredor, por não concordar ou deixar de viver conforme dita a civilidade.

Aos poucos o machismo começa a ser revisto e toda sua estrutura despercebida se torna visível, as violações cotidianas começam a ser questionadas e vagarosamente desconstruídas. Junto deveríamos discutir porque os homens agem como agem, o que acontece na educação dos meninos que os torna tão sexistas e indulgentes em relação às mulheres. Porque homens diferentes são invisíveis. Que conceito é esse do homem ideal que aparece nos sonhos e ilusões coloridas retrovivenciadas na sociedade. Porque esses romantismos filosóficos e estéticos da Roma e Grécia Antiga são ainda um ideal perseguido por uma sociedade doente como a nossa.

[Quem sabe os movimentos feministas que lutam não apenas pela igualdade das mulheres, mas dos homens e mulheres, possa discutir esses aspectos, sem ser preciso criar um outro grupo para fazer essa reflexão]

Existem belos exemplos de sociedades em que mulheres e homens viviam de forma consensual, sem distinções trabalhistas, civis e intelectuais. Em geral, sociedade antigas que não existem mais, a não ser por registros históricos, e que viviam em pequenas aldeias e comunidades. E porque é que ainda hoje, quando existe informação e tecnologia o suficiente para construir um mundo mais justo e solidário continuamos encalhados em paradigmas e tabus, expandindo indústrias do entretenimento, da agricultura e de laboratórios e chamando isso de desenvolvimento? O homem tem falhado consigo mesmo, com seus irmãos e irmãs e com a natureza.

Primeiro o homem foi obrigado a se chocar consigo mesmo, depois com o seu próximo, depois com o seu igual, e finalmente com o mundo exterior. O machismo e sua ideologia permeada junto do mercantilismo foi um grande impulso na formação da civilização e estruturação da formação da família, da educação e do patriarcalismo. A verdade é que nos tornamos vítimas das próprias vontades e interesses, agora o Mundo e a própria sociedade começa a dar sinais dos seus limites. Sem uma mudança profunda esse sistema continuará existindo, mudando apenas de roupagem e se alimentando das nossas forças criativas e inovadoras, causando nosso próprio martírio e sofrimento.

As categorias espirituais pregam: é bom que os homens sofram, padeçam e sintam a dor que o Mundo transmite, para poder refletir sobre suas ações, seus pensamentos, suas vontades e seu caráter. Só assim saberá que força está alimentando. Qual lobo dentro de você vai vencer? O bom ou o mal? Esse pode ser um bom caminho em busca do descondicionamento e da sua verdade, mas o sofrimento é sempre uma opção e hoje partindo de faculdades mentais, podemos simplesmente abrir os canais do coração para a sensibilidade, inteligência e solidariedade, trocando de lugar antigas concepções por novas constatações mais justas, fraternas e sem sofrimento.

Uma decisão individual é capaz de fazer muita diferença em nossa sociedade, o conjunto de decisões individuais em torno do mesmo propósito é capaz de provocar inúmeras outras mudanças. Esse poder de transformação individual, e simultaneamente coletiva, precisa ser usado para bons propósitos e quem sabe com esse novo exemplo seja possível parar de reproduzir essa selvageria urbanizada que antes encontrávamos nas lutas por sobrevivência na selva e começar a compartilhar as riquezas. Se de alguma forma a violência continua existindo, significa que de alguma forma continuamos caminhando para trás.
             

Um comentário:

João Damasio disse...

Normas... não sei se vem de regras ou de normais. Mas a encruzilhada que coloca as normas como sendo "regras normais" (normalizadas) encaveira a gente. Não parece muito viável a vida anormativa, mas discutir as normatividades como é o caso é útil, é bom. Talvez por tudo isso que escreveu nesse texto é que nenhum homem precisa se ofender com o feminismo. Afinal, quem é que pode mesmo se identificar com esse heteronormativismo? Aliás, a heteronormatividade é de ordem patriarcal, mas não de ordem masculina apenas né.

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