terça-feira, junho 18

O Brasil Acordou


Não sei o que a maioria diz e pensa sobre todo esse processo de mobilização que tomou conta do Brasil nas últimas semanas. É um movimento novo, diferente, mas nem por isso ingênuo. O histórico de mobilizações no Brasil já tem história e por mais que só se saiba de livros, ele influência de várias formas tudo o que tem acontecido. Não é estranho ver comentaristas falando sobre as Diretas Já e o movimento de Impecheament do ex-presidente Collor, como marcos desse histórico.

Fato é, que o que se vê nas ruas de hoje não é fruto de um único e exclusivo motivo ou com apenas um objetivo. É o “bota fora” ou “estou de saco cheio” que nós, brasileiros, temos cativado como um alter ego dentro da sociedade, apenas esperando o melhor momento de esbravejar. Mesmo essa história de sair às ruas é novidade para toda uma geração que até agora apenas estudou os ideias da Revolução Francesa ou o herói elitista Tiradentes nos colégios, por meio de livros licenciados pelo Ministério da Educação.

Sobre os números... Provavelmente muito mais do que 250 mil brasileiros saíram as ruas. As capitais não tinham lugar para os carros, os principais pontos estavam e ainda continuam sendo tomados. Os governos estão tendo que abrir mão de toda uma demagogia para controlar o problema e ser mais práticos com as reinvindicações da população. Acredito que estão percebendo a anarquia que o país pode entrar, caso os ânimos da população não sejam acalmados.

No fundo todos os governantes públicos do Brasil sabem que todo esse processo de mobilização não nasceu de uma jogada política de partidos ou movimentos, foi natural, e isso é o que parece mais assustar. Como hoje tudo se trata de uma eterna briga entre os partidos, e estes não perdem tempo, com o tempo essa situação pode se tornar um decisivo para os próximos passos rumo as campanhas presidenciais.  

Sabem também que toda essa retomada popular não se deve ao aumento de 20 centavos na passagem do transporte público em grande parte do país. Essa parece ter sido apenas a gota d’água para quem já teve de aturar esquemas de corrupções milionários dentro do Congresso Nacional dentre inúmeros episódios de ficção aplicada a realidade quando o assunto é: roubar.

Já a alguns anos que nenhuma grande mobilização acontece de forma tão rápida e inesperada, mas quando acontece, as pessoas parecem relembrar de quem realmente detém ou deve deter o poder, ou seja, o povo. Sair as ruas sem o destino cotidiano, mas num ato de liberdade pública manifestar todas suas ideias, de forma desinibida, isso é realmente radical, mesmo numa Democracia. Ainda mais em se tratando da frágil, recente e decente democracia brasileira.    

Em tempos de politicamente correto é preciso fazer uma nítida distinção entre manifestação e vandalismo no Brasil. As mobilizações populares são sempre pacificas, somente os policiais militares que vão armados, o povo mesmo só se arma com bandeiras e faixas. Sobre o vandalismo, não faço apologia, mas concordo que a radicalidade proporcional pode gerar bons efeitos dentro do ambiente político.


Só peço que os queridos leitores que ajudem na ideia de que não devemos comparar o contexto atual com outros momentos históricos. Nunca houve internet em outra época, nem nunca pessoas usaram a mesma marcara em manifestações pelo mundo todo – me refiro ao V de Vingança. Outra coisa nova é que as pessoas não seguiram um líder e sim houve diversas lideranças, mas não uma única, centralizada e capaz de domar e focar toda a demanda popular. 

sábado, junho 8

Como transformar vilões em heróis e ainda sair cantando



 

A América Latina foi (e, talvez, continua) nos séculos XVIII e XIX impingida por sistemas de subjugação e trabalho coercitivo. Se quisermos obter uma imagem mais trivial, e talvez mais próxima de nossa realidade, o exemplo histórico de maior amplitude é, sem sombras de dúvida, a escravidão (indígena e africana). Hoje, mais do que nunca, repudiamos (?), pelo menos em teoria, o trabalho escravo e, quando olharmos para o passado brasileiro, tentamos, por sua vez, colocar uma ponte extensa entre o que aconteceu (passado) e a nossa realidade ( presente).  

Em outras palavras, já podemos/conseguimos identificar, visivelmente e sem um conhecimento erudito, os pontos centrais desse processo. Para tanto, basta recorrer aos principais argumentos que tornaram-se comum, isto é: a completa subserviência dos índios no século XVI foi, entre ouros aspectos, o resultado do processo de aculturação e colonização realizada pelos portugueses, como também, a escravização dos  africanos e a sua transposição para o Brasil e demais partes do mundo.

Comumente acreditou-se que os africanos, por serem negros biologicamente, já estariam nas trevas e o dever de civilizá-los e trazer para a luz caberia, aliás, à cultura dos brancos (portugueses, ingleses, franceses, etc). Uma cultura que, na esteira do Iluminismo, pregava o salvacionismo por meio da religião e da instrução (melhor dizendo, imposição) dos valores europeus. No entanto, como se verificou, já deixamos de lado (parcialmente) todo o pré-conceito – e, há quem diga, o pós-conceito –desses temas. 

De todos os exemplos que poderíamos citar da história e descendo, lentamente, a colina nublada de altos acontecimentos e penetrando, como um andarilho, as relvas e grutas que poucos querem visualizar (mas que esconde, de fato, uma beleza inestimável), a ditadura civil-militar (1964-1985), talvez e a cabo, emerge como evento central. Sua importância social e histórica, não recai, em última análise, simplesmente pelo fato de ter salvado – na interpretação dos militares e, talvez, como tem revelados alguns estudos, a sociedade civil – o  Brasil do perigo vermelho (comunismo e entrave econômico), mas, no fundo, pelas conseqüências – totalmente imensuráveis – que esse projeto resultou: aprisionamento de inocentes, exilados políticos, legislação autoritária, censura, tortura, etc.  

Uma escuridão que, atravessando dados cronológicos e factuais, assombra o presente brasileiro e nos fazer questionar – e até mesmo sentir o calafrio de uma noite tempestiva – a nossa condição frente ao passado e suas sequelas. Mas, o que acontece se essa escuridão (encarnada no regime ditatorial) é entendida, paradoxalmente, como um momento benéfico e decidimos lançar, por meios de palavras sutis, luz onde abundava trevas?  Pode parecer estranho – e, realmente, é atípico – levar em consideração esse pensamento. Porém, o que era para ser estranho – por exemplo, alguém justificar abertamente, nos dias de hoje, a escravidão ou qualquer prática contrária aos direitos humanos – está transformando-se em normalidade.

 Na última segunda-feira, dia 27 de maio, no programa “De frente com Gabi”, o cantor Amado Batista, ao ser perguntado da (s) tortura (s) que recebeu durante a ditadura civil-militar respondeu, enfaticamente, que: “Não. Eu acho que mereci. Fiz coisas erradas, eles me corrigiram, assim como uma mãe que corrige um filho. Acho que eu estava errado por estar contra o governo e ter acobertado pessoas que queriam tomar o país à força. Fui torturado, mas mereci". No fundo, podemos observar que Amado Batista não passou de oprimido para opressor. Ao contrário, suas palavras relevam que sempre esteve do lado dos opressores e a escuridão, por assim dizer, era fruto dos rebeldes que desejavam, a todo custo, implantar o regime comunista no Brasil.

A repressão e as atitudes (violentas e/ou sanguinárias) dos militares eram, na verdade, o bastião de luz que iluminou, durante duas décadas, o Brasil. A escuridão mais profunda estava do nosso lado, na pequena ilha de Cuba e, mais longe e do outro lado do atlântico, na União Soviética. O colar de proteção não poderia ser quebrado facilmente, pois, inexoravelmente, os militares e todos os seus órgãos, encontravam-se ungidos contra a escuridão que ameaçava, de perto, o nosso povo. De fato, e uma vez mais, a guerra foi travada com armas psicológicas e bélicas e, no final, a luz (os militares) triunfou contra as trevas que urgia em arrastar o Brasil para um poço sem fundo. É, portanto, nessa interpretação que Amado Batista insere-se.
  
Para ele, o assunto está totalmente encerrado e o governo, como uma luz no escuro, consegui gerir o Brasil e adotou as medidas certas. Ou seja, “ Nós podia (sic) ter virado uma Cuba”, afirma Amado. Do outro lado e em estado de perplexidade, a apresentadora Gabi pergunta “Será Amado? Será Amado? Você passou para o lado dos torturadores?” Com efeito, a figura de Amado Batista é, ao mesmo tempo, o indivíduo que não somente nega a escuridão da ditadura civil-militar, mas transfere-a para outra esfera: a sociedade, ou mais especificamente, as pessoas que lutaram contra o regime.

É, em certo sentido, o soldado de guerra que foi preso e torturado, mas depois de sair da prisão e contemplar, no futuro, o acontecimento de seu passado decidiu, por si mesmo, atribuir ao seu inimigo à condição de amigo. É, para tanto, o cavaleiro das trevas – para utilizar o último filme do Batman – que, a partir dessa visão, veste-se de branco e resolve aliar-se aos inimigos.  É, em todos os sentidos, o homem da noite (vilão) que transformou-se, contudo, em homem do dia (herói) ou , talvez, o marujo que troca a direção, propositalmente, da bússola e, em alto mar envereda-se por caminhos errados que leva-o e toda a sua tripulação para ilhas remotas –que, por sinal, podem representar um final fatal. Como postou meu professor em seu facebook  ao ler  às afirmações de Amado Batista:  “Com estas interpretações do passado, o futuro me assusta.”

quarta-feira, junho 5

Antroporetroativo dorsal da razão

Rubro caos fascínora
e enluto ateador de lei,
ambos briguentos

Recuam-me os verbos d`agora
em toda forma que penso, sei
seus rabugentos

Ramos nobres cabem em
sacos sujos sacos
tem que caber em algo

Resta sempre algo a gosto
trapos ruinas trapos
tem que caber agora

domingo, maio 5

Politicamente Correto




Todo cuidado parece pouco para não chatear os corações ingênuos. Qualquer palavra parece pesada se não for adequadamente encaixada num contexto de faz de conta. Discordar significa falta de respeito numa sociedade em que só existe a opção de escolher o que já esta definido.

O significado das coisas mudou de lugar. A capacidade de questionar se tornou sinônimo de ignorância das verdades absolutas. Apropriaram o discurso de que o homem tem uma forma única de ser correto. A honestidade e o caráter só alcançam a quem fala o que os outros querem ouvir.

As pessoas corretas estão cada vez mais céticas de fazer críticas, porque a vida se divide somente entre bem e mal para essas pessoas. O que não esta certo é errado, o que não é branco, é preto. Não existe espaço para bom senso. Dúvidas que levam a respostas cruéis não são politicamente corretas.

Centralizaram a ideia pública sobre o que pode e o que não pode, o que vale a pena e o que é proibido. Ser correto remete a uma pessoa sem alma, que não se expressa, que é nula nos seus desejos. O preço para se tornar uma pessoa correta ameaça a própria identidade.

As pessoas que acreditam numa forma correta de fazer as coisas ignoram suas próprias fantasias. Tornam-se escravos de uma forma de controle que não respeita a individualidade humana, pois todos devem fazer o que é correto, independente de suas condições ou de suas razões.

Parece que ninguém precisa concordar ou discordar do que é certo. Existe um consenso tradicional e irracional sobre o que e como algumas coisas devem ser feitas, como se houvesse uma verdade universal sobre a natureza humana.

Se há algo a ser dito sobre o ser humano e sua natureza é que somos felizes somente quanto ignoramos esse mundo de regras e normas e nos entregamos aos nossos desejos. A vida faz mais sentido quando se pode realizar todos os idiotas, irracionais e simples instintos.

A comodidade que a modernidade trouxe, ao invés de suscitar o espírito crítico e revolucionário, limitou ainda mais a liberdade individual, deixou fragilizada a autonomia humana. Confundiu ainda mais a debilitada consciência humana a respeito do verdadeiro espírito de liberdade e da justiça a partir do que é certo.

O movimento de contra cultura que alimenta a experiência anti normas não é reconhecido pela sociedade. Apesar de aperfeiçoar a autonomia pelo exercício da liberdade, a sociedade brasileira ainda parece cega e resistente às inovações de não haver mais tantas regras.

sábado, março 16

Inalteráveis Sentimentos Humanos


Nós, os seres humanos, existimos há tanto tempo, e permanecemos sempre com as mesmas carências. Sempre em busca de um amor perfeito, de uma boa vida. De encontrar um sentido para a vida, uma justificativa para a existência. Acho que pouca gente se dá conta, mas em toda parte do mundo as pessoas buscam as mesmas coisas, de formas diferentes.
 
Em se tratando de “gente”, muda-se o idioma, a cultura, o clima, mas não se altera o sentimento de busca, de estancar a insatisfação humana. Todas as pessoas que conheço vivem com um sonho, com um objetivo nas mãos e na cabeça. Sempre em busca das mesmas coisas, mas seguindo caminhos diferentes.
 
Não é a toa que as pessoas sentem as mesmas coisas quando veem um filme ou ouvem uma música. Pessoas de todo o mundo, independente de qualquer diferença, sentem e pensam as mesmas coisas, muitas vezes sem entender, apenas sentem. E é natural que todos tenham as mesmas sensações. É como um cordão umbilical que nos conecta com outras pessoas, que permite se sentir semelhante ao outro, e se entregar, na medida em que a afinidade aumenta.
 
Eu posso perceber isso quando viajo, quero dizer, as pessoas são muito parecidas. Dias atrás tive a oportunidade de conhecer um palestino e mesmo que eu não pudesse falar seu idioma, pude saber o que se passava em sua mente observando o movimento de seus olhos. Os olhos não mentem e todas as pessoas parecem reagir da mesma forma olhando pro mesmo lado, quando sentem a mesma coisa.
 
O amor é universal, e é uma das semelhanças que acomete a todos nós, seres humanos mortais com pouco tempo de vida. A raiva, a esperança, o pudor, o medo, são todos sentimentos comuns a todos nós. E é fácil perceber essas emoções em qualquer pessoa, mesmo que não seja possível falar sua língua, ou saber de sua história de vida.
 
Há uma conexão humana, uma forma única de sentir e pensar que é comum a todas as pessoas. Isso que nos une, que nos permite entender, ser sensível ao mundo e a vida de outras pessoas. Se não tivéssemos essa qualidade de se identificar com o outro, certamente já não seriamos humanos.

sábado, fevereiro 16

As vantagens de ser invisível

Em resumo, o filme/livro As vantagens de invisível pode ser explicado, na minha concepção, em poucas palavras: a busca de sentido. Certamente, muitas questões aparecem como fundamentais ( depressão, homossexualismo, religião, etc) e leva-nos a adentrar em terrenos e movediços que ultrapassam, com razão, uma breve comentário.

A pequena resenha, na verdade, é uma resposta as situações que tenho encontrado ( tanto no meio acadêmico como pessoal ). A princípio, o livro não consegue, de maneira alguma, ser chamativo. Pessoalmente, quando ouvi falar do livro e, depois, ao assistir o trailer não achei nada de interessante em mais uma história de adolescente criado, aliás, pela produção norte-americana. A história tem tudo para ser mais uma. Nada de novidade. Essas pré-concepções podem, de fato, ser quebradas – completamente – após a leitura do livro, ou em casos distintos, prosseguirem-se. No meu caso, os dois elementos, com pouca reciprocidade, uniram-se.

O primeiro elemento, tratando-se do livro e o filme, é a sutil diferença entre a produção cinematográfica e, por outro lado, a literatura. Ambos os casos são, de fato, distantes um do outro e revelam como, no caso do filme e do livro, as nuanças estéticas de diferentes esferas da arte (geralmente, recombinam-se). Em primeiro lugar, a produção cinematográfica é produzida, em termos simples, por um emaranhado de pessoas. Uma pessoa não é capaz de produzir, a um só tempo, todo o processo de elaboração de um filme/documentário. Nesse ponto, conta-se com a participação de atores (para muitos desinformados, os mais importantes e, em alguns casos, responsáveis pelo sucesso da produção), roteirista, produção, roteirista, etc. Enfim, é uma produção coletiva e, distanciando-se da literatura, contempla um público diferente e, principalmente, com um objetivo: a venda/consumo em massa.

A literatura é uma subesfera da esfera artística. É produzida por um indivíduo, mas, sob uma perspectiva totalizante, é circunscrita em determinada época e o autor, de maneira inconsciente e, às vezes, intencionalmente transmite valores de sua sociedade; por exemplo, é possível ler Machado de Assis e, a partir de leitura sistemática das obras, extrair, com êxito, as transformações da modernidade tardia. Em outras palavras, o que demoramos tempo para aprender na faculdade/colégio sobre os tempos modernos ( e toda sua parafernália) é possível aprender com as simples obras desse escritor que, aliás, não é americano nem europeu, ao contrário, é brasileiro. 

Há muita diferente na leitura integral do livro e, por outro lado, do filme. O diferente de As Vantagens de ser Invisível (felizmente/infelizmente) é que, Stephen Chbosky, adaptou seu próprio romance para a produção cinematográfica. É um caso singular, mas que apresenta muitas diferenças em ambas as esferas, evidentemente, com aproximações forte entre o livro e o filme. Em relação à história de Charlie, em particular, chamou-me a atenção para os assuntos emblemáticos que Chbosky consegue - numa história simples e , para alguns, cheia de clichês - elencar e harmonizar elementos conflitantes . Sim, esse é o grande mérito do autor/produtor.Como dito no início, encontramo-nos, agora, no epicentro livro: o sentido. Não utilizo essa palavra de maneira aleatória, sem função alguma. 

Minha percepção do repertório construído Chbosky levou-me a privilegiar o seguinte: qual o significado do sentido na história As vantagens de ser invisível? Na verdade, o importante, não é o sentido, pois, As vantagens de ser invisível, apresenta um mundo sem sentido, caótico, com vidas a procura de algo concreto, enfim, de mudança. Então, poderíamos inverter a lógica de análise e recorrer ao "não sentido”, ou, em outras palavras, a "crise do sentido". É, a partir dessas pequenas constatações, que a história Chbosky desnuda-se como brilhante. A crise do sentido, nas palavras de Alain Bihr (2001) em “ A crise cultural” , é entendida na incapacidade de propor uma ordem significativa. O conjunto de referências sociais entra em turbulência e, mesmo recompondo-se, é impossibilitado pela ausência de dar sentido à existência coletiva e individual. A capacidade para elaborar um sentido é, para esse autor, uma das condições para a constituições de um sujeito coletivo dotado de um projeto de transformação em sociedade. Sendo assim, uma crise de sentido produz diretamente um obstáculo ao desenvolvimento das relações sociais. 

Em sociedades antigas, a ordem significante assumiu uma forma mítica, ou seja, é instituída imaginariamente a ordem real na referência de algum exterior. São valores corriqueiros, mas, para determinada época e civilização, constituíram-se como elemento fundador, por exemplo, o mito. Para muitos, o mito não passa de uma inverdade, sem embasamento, etc. No entanto, para os povos que consagraram o mito como verdade única, todos os seus elementos são legítimos e tem o objetivo de explicar, a sua maneira, o mundo. O desenvolvimento de nossa sociedade, como se percebe no atual estado, especialmente com a otimização dos valores capitalistas, não é dotado de um fundamento mítico, mas concreto (pragmático e materialista). Reduzimos valores antigos ( mitos, religiosidade), o que, segundo alguns, é chamado de tradição. Mas ainda encontramos vestígio de elementos míticos em nossa sociedade ( capitalista) , mesmo nas mais desenvolvidas, sob formas diferentes ( movimentos religiosos, esporte, cinema e, acima de tudo, na literatura). Como percebe-se, nós estamos imbuídos de uma repudia muito grande aos significados antigos, porém, ao mesmo tempo, necessitamos deles para dar sentido a nossa existência. Com os nossos valores ( pragmáticos ), infelizmente, ficamos numa inércia existencial fora do comum. Em outras palavras, não somos capazes de dar sentido à existência.

A vida de Charles é um expoente, quase perfeito, dessa realidade. Visto que é impossível viver sem dar sentido a existência e o mundo, nós procuramos, a todo custo, um sentido autêntico. Disso resulta a enorme "feira dos sentidos": cinema, religião, família e, nesse bojo, a nossa querida e arrebatadora literatura. A literatura é, por essência, um fonte aglutinadora de sentido. Tudo e qualquer coisa ganha sentido nesse mundo, mas é, na verdade, um sentido vazio e frívolo.

A personalidade de Charles ajuda-nos a compreender, de perto, essa falta de sentido. Muitos conseguiram simpatizar-se com Charlie, mas uma grande maioria repudia o introvertimento dele e, por isso, muitos leitores, como estou percebendo, apegaram-se a figura de Charlie. O não-gostar tornou-se, paradoxalmente, no verdadeiro gostar. O fato de achá-lo uma personagem incompleta, com ausência de atitudes concretas, sugerindo que o autor poderia ter trabalhado com maior cuidado na personagem, narrativa sem embasamento realístico; tudo isso leva-nos, por incrível que pareça, a gostar do personagem; a vontade de melhorá-lo, tirar alguns defeitos e enfeitá-lo com nossa identidade (o Outro, como em todo contato com o ser diferente, gera, como consequência, essa necessidade de enquadrá-lo em nossos moldes e particularidades) levam-nos a gostar de Charlie. Na literatura americana é muito comum, em Best-selles, a retratação de um cenário pré-adolescente e mesmo adolescente cheio de "duendes e fadinhas". Na maioria dos casos, trazem poucas novidades os filmes americanos. Uma vida aparentemente conturbada, cheia de problemas, mas que, na verdade, não passa de uma história chula, uma garotada bastada que, sem motivos, reclama da vida gratuitamente.

No entanto, Chbosky conseguiu como escritor e cineasta, trazer para esse livro uma séria de elementos subalternos. Chbosky colocou personagens (com inúmeros problemas) em busca de sentido nessa fase crucial da vida, construído, por sua vez, uma histórica em que determinada personagem sofre de rejeição ( Charlie ), outro ( Patrick ) que, aparentando normalidade, namora um valentão do time da escola ( homossexual); do outro lado, uma menina ( Sam ) que namora todo os cara da escola e, por último, Mary que oscila entre a religião budista e o estilo punk. Encontramos felicidades nessas personagens e, respectivamente, um sentido unitário ? Talvez sim, talvez não. O filme/livre não apresenta, como os demais , uma tirania da felicidade. Seguindo os passos ( e o pessimismo latente ) do filósofos Luiz Pondé , As vantagens de ser invisível , ecoa, aos nosso ouvidos, como um grito estridente contra a tendência de um mundo melhor, bonzinho, em que o príncipe encontra a princesas e todos, no final, terminam felizes. O paraíso, aliás, não é a melhor solução e nem sempre o "mundo melhor", na disseminação dos valores ocidentais, é a solução salvacionista.

Enfim, o livro/filme têm seus méritos. A simplória resenha é, por assim dizer, um convite lançado a todos (as).


Sugestões de leitura e bibliografia pesquisada.

BIHR, Alain. A crise cultural. In: ______________. Crise do socialismo e ofensiva neoliberal. São Paulo: Cortez, 2001.
PONDÉ, Luiz Felipe. Contra um mundo melhor: ensaios do afeto. São Paulo: editora Leya, 2010.

Viana, Nildo. A concepção materialista da história do cinema. Porto Alegre: Asterisco, 2009.



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